Ao arrepio da Constituição, donos de emissoras levam vantagem na disputa ao explorar ilegalmente a radiodifusão.

Se comparado com outros países de tradição democrática, o Brasil conta com poucas leis e normas para regular os meios de comunicação. Mesmo quando falamos em rádio e TV, que são concessões públicas, as leis são escassas e ultrapassadas no País. Quando existem, não são implementadas ou respeitadas.

É o caso do artigo 54 da Constituição Federal, que proíbe que deputados federais e senadores sejam donos de canais de rádio e TV. Acatando uma representação da sociedade civil, o Ministério Público Federal moveu, em 2015, ações em diversos estados da federação solicitando o cancelamento de outorgas que estavam em nome de 32 deputados federais e oito senadores. Um processo semelhante corre no STF desde 2011, visando à declaração de inconstitucionalidade da prática.

Apesar disso, uma vez mais, nas últimas eleições, o uso político das concessões de rádio e TV seguiu como prática, envolvendo também candidatos a Deputado a Estadual e aos governos. Levantamento do INTERVOZES (Organização que luta pelo direito à comunicação, a liberdade de expressão, por uma mídia democrática e uma Internet livre e plural), realizado em cidades acima de 100 mil habitantes em dez estados (PA, CE, PB, PE, BA, MG, RJ, ES, SP e PR) e no Distrito Federal mostra que, em 2018, haviam pelo menos 34 candidatos donos de emissoras de rádio e TV. O número seria maior se incluísse as cidades abaixo de 100 mil habitantes. Além disso, a falta de transparência dos dados dificulta o mapeamento completo dos proprietários de mídia no Brasil.

Os donos de mídia listados concorreram aos cargos de Deputado Federal (11), Senador (6), Deputado Estadual (16) e Governador (1). A maior parte é político de carreira: 16 tentaram a reeleição, 5 detinham outros cargos políticos eletivos no momento e 7 já tiveram cargos eletivos no passado.

O caso mais emblemático foi da família Barbalho, no Pará, proprietária de uma série de veículos, entre eles a RBA – Rede Brasil Amazônia de TV, afiliada da Band; a Rádio Sistema Clube do Pará de Comunicações e a Rádio Clube do Pará. Helder Barbalho, aos 39 anos, foi eleito Governador pelo MDB, já tendo sido Deputado Estadual, prefeito de Ananindeua e ministro nos governos Dilma e Temer.

Helder é filho de Jader e Elcione Barbalho, que também concorreram a cargos políticos naquelas eleições pelo MDB e se elegeram. Jader foi reeleito ao cargo de Senador; foi Deputado Federal por vários mandatos, governador do Pará por duas vezes, entre outros cargos. Elcione se reelegeu para o terceiro mandato como Deputada Federal. Os três figuram como sócios de radiodifusoras no sistema de dados da Anatel e na Receita Federal, principais bases do levantamento.

O alto número de candidatos à reeleição mostrou, ainda, como as carreiras como empresários da comunicação e, ao mesmo tempo, como políticos se retroalimentam, prejudicando significativamente a democracia.

Em primeiro lugar porque é no próprio Congresso Nacional que as concessões de radiodifusão são aprovadas e renovadas. Ou seja, Deputados Federais e Senadores radiodifusores podem – como já ocorreu diversas vezes – votar pela renovação de suas próprias outorgas.

No caso de Governadores, Deputados Estaduais e Prefeitos, o risco à liberdade de expressão e o uso político das emissoras também é extremamente danoso ao país. Para o ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, a posse de canais de rádio e TV por políticos fere ainda o princípio de isonomia, segundo o qual candidatos e partidos devem ter igualdade de chances na corrida eleitoral.

A ministra do STF Rosa Weber concorda. Para ela, há um risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir para o livre debate e informação, seja utilizado apenas em benefício do político, deturpando a esfera do discurso público. A mesma Ministra rejeitou, em novembro de 2016, o pedido de liminar impetrado por Michel Temer por meio da Advocacia Geral da União para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de Deputados e Senadores.

No Ceará, dois Deputados Federais e uma Deputada Estadual disputaram a reeleição. Aníbal Ferreira Gomes, o Dr. Aníbal, era Deputado Federal desde 1995, concorrendo à sua sétima reeleição, mas não se reelegeu, pelo DEM. Ele é sócio da Rádio Difusora do Vale Acaraú, na cidade de Acaraú, da qual foi prefeito entre 1989 e 1992. Domingos Gomes de Aguiar Neto concorreu e se reelegeu ao seu terceiro mandato, pelo PSD. É sócio da Rádio FM Rio Jaguaribe, na cidade de mesmo nome. Ele está na lista dos 32 deputados federais citados na ação que tramita no STF.

Fernanda Pessoa, uma das seis mulheres que aparecem no levantamento, foi candidata reelegendo-se a Deputada Estadual pelo PSDB. Ela é sócia da Rádio Planalto de Maracanaú, cidade da qual seu pai, Roberto Pessoa, ex-Deputado Federal e ex-Deputado Estadual é prefeito. Na Paraíba, os quatro candidatos mapeados concorrem à reeleição.

Dos 34 candidatos listados, apenas quatro são novatos nas disputas eleitorais e não vêm de famílias com longa tradição política. Mas têm histórico como empresários das comunicações. Em São Paulo, por exemplo, Raul Abreu, candidato pelo Podemos a primeiro suplente do candidato a senador Mário Covas Neto, mas não se elegeu, é sócio das rádios Mundial AM, Top FM e Top FM São Vicente, sediadas na capital do estado. No Rio de Janeiro, Paulo Masset, candidato do Solidariedade a Deputado Estadual, é sócio da rádio Metropolitana, também com sede na capital, não se elegeu.

Atrás do discurso de renovação política apresentado por esses candidatos encontram-se práticas antigas – no caso, o chamado coronelismo eletrônico – de desrespeito às leis e à democracia.

Um estratégia usada por políticos para não correr o risco de perder os seus mandatos nem a licença das emissoras é a transferência da propriedade das empresas radiodifusoras para parentes. No levantamento realizado pelo INTERVOZES, há cinco candidatos que usaram recentemente essa estratégia.

Em Minas Gerais, Aécio Neves, ex-Senador e se elegeu a Deputado Federal pelo PSDB, é citado na ação do STF por ser proprietário da rádio Arco Íris, retransmissora da Jovem Pan em Belo Horizonte. A rádio hoje está em nome de sua irmã, Andrea Neves da Cunha, e de Inês Maria Neves Faria.

* Fonte: Olivia Bandeira de Carta Capital

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