Quando os fregueses não apareciam na alfaiataria, era comum o pai fechar as portas e sair a pescar nos finais de tarde. Numa dessas aventuras, fomos os dois remando até uns 500 metros acima da fecularia do seu Schlater, mais ou menos onde morava o Zé Tabinha, velho conhecido de todos. 


Havia ali um poço muito promissor e enquanto eu remava o pai preparava a tarrafa. A primeira tarrafada trouxe apenas um "pescão", tipo de lambari bem maior e com grandes dentes. Já na segunda, a coisa melhorou e um mandi solitário apareceu na tarrafa. Sinal de que havia mais. Continuamos mais acima, na esperança de mais mandis, pois sabíamos que onde há um, há vários, e veio a terceira tarrafada que ao chegar ao fundo revelou que havia alguma coisa séria. 


Logo imaginamos os mandis em quantidades bíblicas, pelo chacoalhar da fieira na mão do pai. Ele, emocionado, mandou que eu pegasse a fieira para sentir a bicharada. Era de espantar com a força e o tamanho dos socos que dava. O pai, apesar de amador já um velho tarrafeador, passou a tentear para um lado e para o outro, mandando que eu remasse para cima .... e logo para baixo de modo a que a tarrafa se fechasse completamente. Terminada a etapa de fechamento, passou a puxar a fieira com tal delicadeza que era possível ouvir o próprio coração. Veio afinal o pano e foi puxando, puxando, e a tarrafa começou a abrir em leque, e nada de mandis, até um enorme peixe aparecer, bem escuro, ainda sem que soubéssemos o que era. Pensávamos num peixe-manso, pois o bichão era realmente grande. O pai ficou segurando a tarrafa e pediu-me para abraçar o peixe, com tarrafa e tudo e puxar pra dentro da canoa. Quando assim procedi, puxamos uma enorme traíra que começou a se debater dentro da canoa, exigindo que o pai sentasse sobre ela pra não parar novamente na água, apesar de toda enredada. 


Remei para a margem, e o pai levou-a para o pasto que havia ali , toda enrolada e só lá bem sobre o barranco desvencilharmos o belíssimo exemplar. Para evitar qualquer problema o pai passou a fieira pela boca e guelra do “peixão”, e trouxemo-lo à bordo onde a fieira foi prontamente substituída pela corrente da canoa. Se o peixe pulasse fora, que nos arrastasse rio abaixo, e assim não precisaríamos remar. Fácil é imaginar que a pescaria terminou de pronto. Com um espécime daquela envergadura dentro da canoa, quem precisaria pescar ainda? Em casa, com muito estardalhaço fomos pesar a dita traíra que deu 7 kilos e 200 gramas.


É claro que o assunto correu toda a vila e logo acorreu o seu Didi, que na sua sapiência sentenciou: esta é a maior traíra já pescada no Itajaí, estabelecendo-se assim um recorde que nunca soube ter sido batido naquelas águas. Dona Adelaide, mestre nas artes culinárias, tendo após sua morte até mesmo merecido um livro de receitas em sua memória, passou a tratar da bela traíra "comme il faut".


Preparou o mais belo escabeche de sua vida, pois as "postas" do tamanho de um prato fundo bem que mereciam.


Livro “Homenagem a Ituporanga” Editora Nova Letra 2012. Nilson José Boeing (organizador)
(A história acima transcrita do referido livro citado, provavelmente aconteceu na década de 1950)
Organização e digitação: Wesley Fragas


Sobre a Traíra:

Traíra ou lobó (Hoplias spp.) é o gênero de peixes carnívoros de água doce da família Erythrinidae. A traíra pertence a um grupo de peixes desprovidos de nadadeira adiposa.

É um dos peixes mais populares do Brasil, presente em quase todos os açudes, lagos, lagoas e rios. Nas regiões que oferecem boa alimentação, é comum que atinjam 69 centímetros de comprimento, e alguns exemplares excedem 4 quilogramas de peso. Sua pesca é feita de anzol, com isca de peixe ou carne; mesmo jovens com alguns centímetros de comprimento costumam atacar iscas em movimento, como as artificiais. Deve-se ter cuidado ao manipulá-la, pois costumam dar mordidas muito dolorosas e que sangram abundantemente. É indesejável em piscicultura, pois alimenta-se vorazmente de alevinos e peixes jovens de outras espécies. Tem marcada predileção por sombras e escuridão. É um peixe territorialista e canibal; protege suas crias até que se espalhem em meio a vegetação marginal.


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